Especialista comenta julgamento no TSE que pode tornar Bolsonaro inelegível
Por André Luis
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) está julgando uma ação que pode tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível por até oito anos. O julgamento começou em 22 de junho de 2023 e é referente à acusação de abuso de poder político e uso indevido de meio de comunicação estatal.
O relator da ação no TSE, ministro Benedito Gonçalves votou para tornar Bolsonaro inelegível por 8 anos. Para Gonçalves, ficou configurado abuso de poder político de Bolsonaro no uso do cargo.
A sessão desta quinta, a terceira para análise do caso, foi iniciada com o voto do ministro Raul Araújo. Ele inaugurou uma divergência e votou pela rejeição das acusações contra Bolsonaro.
Em seguida, votaram os ministros Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares, pela condenação do ex-presidente. Com o placar de 3×1 pela inelegibilidade, o julgamento foi suspenso e será retomado nesta sexta-feira (30), às 12h.
Com relação às acusações contra o vice da chapa de Bolsonaro, Walter Braga Netto, todos os quatro ministros votaram pela rejeição da denúncia. Dessa forma, já há maioria para absolvê-lo.
Nesta quinta-feira (29) no programa A Tarde é Sua da Rádio Pajeú a professora e advogada especialista em Direito Eleitoral, Tassiana Bezerra, comentou o julgamento que acontece no TSE.
O voto do Relator – O voto do ministro Benedito Gonçalves baseia-se na gravidade da ação cometida pelo ex-presidente. Ele reconhece a importância da minuta do golpe, que gerou divergências sobre sua aceitação como prova no processo. O voto é dividido em aspectos quantitativos e qualitativos.
No aspecto qualitativo, destaca-se a gravidade de o presidente questionar a legitimidade das eleições ao criticar o sistema eleitoral e os ministros da corte eleitoral. Já no aspecto quantitativo, enfatiza-se o alcance das declarações, amplamente disseminadas pelos meios de comunicação oficiais do governo e utilizadas por outras pessoas para questionar o processo eleitoral e a autoridade das instituições. O foco do voto é analisar possíveis abusos de poder político e de meios de comunicação, sendo esses os pontos principais abordados por Benedito.
O voto divergente – A divergência do Ministro Raul Araújo baseia-se no fato de que as falas do presidente, embora um pouco excedentes, não lograram êxito em seu objetivo, uma vez que ele perdeu a eleição. No entanto, o Ministro Floriano de Azevedo destacou um problema nessa argumentação durante seu voto. Ele ressaltou que o fato de não ter havido êxito não significa que a conduta abusiva não tenha sido praticada, e se houve conduta abusiva, ela deve ser punida.
O Ministro Floriano Azevedo comparou a situação dizendo que não se pode deixar de punir alguém que colocou fogo em um prédio apenas porque os bombeiros chegaram a tempo. A existência da conduta abusiva é o ponto-chave, independentemente do resultado da eleição.
Essa é uma visão respaldada tanto pela jurisprudência do TSE quanto pela própria lei complementar de inelegibilidade. O artigo 22, inciso 16, dessa lei de inelegibilidade deixa claro que o que importa é a gravidade da conduta, e não a capacidade de alterar o resultado da eleição.
Essa foi a principal questão levantada pelo voto do Ministro Raul Araújo, que tentou argumentar que, se não houve um resultado positivo, não haveria necessidade de punição para o ex-presidente. No entanto, essa argumentação foi prontamente rebatida pelo voto subsequente do Ministro Floriano Azevedo.
Cássio Nunes Marques – O Ministro Cássio Nunes Marques, mesmo que ele peça para analisar o processo com mais cautela, não terá mais a possibilidade de solicitar vistas. Essa é a situação.
Existe a possibilidade de quando chegar a vez do voto dele, ele será o penúltimo a votar, mas nesse momento já se terá a maioria, acredito eu. Atualmente, temos uma votação de três a um. Se a Ministra Cármen Lúcia, votar a favor da inelegibilidade de Bolsonaro, se terá a maioria formada para a inelegibilidade do ex-presidente. Nesse caso, o voto do Ministro Nunes Marques e do presidente do TSE, Alexandre Moraes, ainda teriam que ser lidos e considerados, mas isso não faria diferença no resultado final.
Braga Neto – Existe uma questão no direito em que, ao entrar com uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), você coloca no polo passivo da ação, ou seja, como réus da ação, aqueles que se beneficiaram de possíveis abusos de poder. No caso da chapa do presidente, quem se beneficiaria de um possível abuso de poder? A chapa inteira, porque se o presidente fosse eleito, não seria apenas ele, mas sim ele e seu vice. Isso é chamado de litisconsórcio passivo necessário, ou seja, colocar ambos como réus na ação.
No entanto, essa necessidade de colocar os dois no polo passivo não significa que o julgamento será feito como um pacote conjunto. Afinal, o que foi destacado tanto no voto do Ministro Benedito quanto nos votos dos ministros Raul, Floriano e André Ramos Tavares é que, se o presidente tivesse sido eleito, haveria um benefício para o vice-presidente. No entanto, como isso não ocorreu, não seria possível estender essa inelegibilidade ao candidato a vice-presidente, pois o ato foi personalíssimo, ou seja, foi um ato praticado pelo presidente da República, que fez uso político de suas atribuições. Portanto, o candidato a vice não poderia impedi-lo.
Desdobramentos – Se alguém for considerado inelegível pelo TSE, em geral, não há possibilidade de recurso. No entanto, quando se trata da cassação de direitos políticos de tornar alguém inelegível, isso pode ser uma questão constitucional que pode ser revisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Portanto, se não houver possibilidade de recurso, há desdobramentos em termos de declaração de inelegibilidade e possível ação de improbidade administrativa. Isso ocorre porque o presidente faz uso do Palácio, da residência oficial e do canal de TV oficial.
Há também a possibilidade de investigação por improbidade administrativa pelo Tribunal de Contas e pelo Ministério Público, além da análise dos aspectos penais, caso haja identificação de conduta criminosa.
Vale ressaltar que a conduta em questão não se limita ao âmbito eleitoral. Embora o julgamento em andamento esteja relacionado a questões eleitorais, a conduta pode ser investigada tanto na justiça comum, no âmbito penal, quanto no âmbito civil.
O desdobramento dependerá da análise realizada pelos órgãos competentes, como o Ministério Público e o Tribunal de Contas. Os ministros, inclusive Alexandre Morais, deixaram claro que ao final das sessões, todo o caso será encaminhado para esses órgãos para avaliar se são necessários tais desdobramentos ou não.
Expectativa – Veja, a expectativa agora é para o dia de amanhã. Ainda há três ministros que devem votar: a ministra Cármen Lúcia, o ministro Nunes Marques e o presidente do TSE, ministro Alexandre Moraes. Isso terá desdobramentos relevantes, inclusive para a ação que está em curso no STF relacionada às fake news, na qual o ex-presidente também está envolvido. O que for decidido nessa ação será levado em consideração como prova.
A conduta do ex-presidente é caracterizada pelo abuso de poder político, utilizando os meios de comunicação oficiais para propagar desinformação. Esse é o ponto central destacado em todos os votos até agora. Essas ações podem ter consequências no âmbito penal e podem ser utilizadas no inquérito das fake news no STF, que está sob a responsabilidade do Ministro Alexandre de Moraes.