Familiares relatam preconceito contra mulher que morreu por falta de UTI
Mesmo curada da Covid, portanto sem poder transmitir a ninguém, Roseane Oliveira e familiares foram alvo de preconceito na via crucis que terminou com sua morte, aos 32 anos
Na foto, Roseane com a filhinha, Ana Cecília. Criança órfã agora tem três anos. “Difícil explicar pra ela”, diz pai.
O relato emocionante de familiares de Roseane Oliveira do Nascimento, de 32 anos ao Debate das Dez da Rádio Pajeú, que morreu na madrugada dessa segunda sem a garantia de um leito de UTI que lhe salvasse a vida foi cercado de indignação, porque, além da negligência do Estado, ela e a família foram vítimas de preconceito, tendo como pano de fundo a ignorância.
Roseane tinha contraído Covid-19, mas o exame apresentou cura clínica com exame indicando IgG reagente ou positivo, quando o paciente teve infecção anterior, com pelo menos 3 semanas, e está imunizado. Apesar disso, diz a sobrinha que acompanhou o calvário de Roseane, ela sofreu vários episódios de preconceito.
Um deles, de um motorista contratado pelo município de Afogados para transportar pacientes de Hemodiálise. “Ela foi muito humilhada. Ele disse coisas a ela como se ela estivesse infectada, como se não pudesse chegar perto”, diz Paula Daniela de Lima. O mesmo ocorreu com um motorista de ambulância do município. Os episódios mostram como há despreparo e falta de treinamento para que os motoristas saibam lidar com pacientes que tiveram Covid. Uma acompanhante de um paciente também teria dito que Roseane não poderia seguir viagem com os demais pacientes.
Sobre o Hospital Regional Emília Câmara, a Assistente Social da segunda (13) , cujo nome não foi informado, foi extremamente fria e apática à dor da família e ansiedade em busca de informações. “Ela mal olhava pra cara da gente”, se queixou Paula.
O marido, Cícero Aparecido de França, conheceu Roseane a dez anos. Mal teve palavras diante de tanta dor. Não sabe como vai criar a filha sem a mãe. “Disse à minha filha no sepultamento que a mãe tinha ido pro céu e ela ficava gritando pra mamãe acordar”, falou aos prantos.
Roseane teve problemas hipertensivos que geraram a insuficiência geral crônica que a levou a tratamento. Na semana passada teve complicações e a orientação do setor de hemodiálise do Memorial Arcoverde de ser internada no HR Emília Câmara. Com quadro causado por derrame pleural, precisava de UTI para voltar a dializar e de avaliação vascular.
Aí começou o novo drama : ela conseguiu senha para Jaboatão dos Guararapes e depois houve a recusa por ser paciente de hemodiálise, o que não se entende por conta da informação de que a unidade dispunha do serviço.
Na sequência conseguiu senha para a Clínica São Vicente e foi recusada por ser “COVID Igg”. A São Vicente alegou não ser referência para COVID. Mas ela não tem COVID e sim anticorpos depois de se curar da doença. O quadro pulmonar, alegado pela unidade, era fruto da situação nefrológica e não do virus. Com muita luta e intervenção do promotor Lúcio Luiz de Almeida Neto e do blog, conseguiu senha para o Hospital Santo Amaro. era tarde. Morreu praticamente no mesmo horário em que a senha foi disponibilizada.
A Defensoria Pública de Afogados da Ingazeira promete acionar o estado, que pela negligência matou Roseane. “O relato é rico em detalhes. Está configurada a negligência e desumanidade de muitos envolvidos nesse caso”, relata o Defensor Público Luciano Bezerra, consultado pela Rádio Pajeú.