Elias Lourenço era um vinho bem apurado
Magno Martins
Neste momento do terror da pandemia, em cada chamado de Deus para a vida celestial nunca nosso coração está pronto para a despedida.
Cada morte é um baque, abre-se um vazio enorme na alma, mas que a fé cura, remedia, alivia o sofrimento, faz a saudade virar um sentimento menos cruel.
A radiofonia nordestina perdeu ontem Elias Lourenço, 81 anos, um dos maiores comunicadores do País. Quis o destino que o Sertão exportasse da minha Arcoverde, que me adotou em título passado em cartório na Câmara de Vereadores, um dos maiores talentos do rádio. Elias já nasceu radialista, vocacionado no ventre materno da mãe, que resistiu pelo amor à terra ao último pau de arara.
Elias não tinha voz. Tinha canto, o canto do Sabiá da sua terra. Elias não tinha pátria. Tinha uma paixão: o seu Nordeste, a canção e seus artistas. Projetou muitos talentos do forró e por eles era adorado, como a paraibana Elba Ramalho, que fez ontem uma declaração interrompida por um pranto incontido. Adolescente, fui criado ouvindo a riqueza cultural de Elias Lourenço em várias rádios, tendo encerrado sua carreira na Folha FM, do Recife.
Perdi as contas das vezes que Elias me colocou no ar para comentar minha coluna, que se derramava em elogios, porque, como eu, vilependiava político safado. Ele tinha tino para tudo: política, economia, mas principalmente para o cotidiano de sua gente. Conhecia a fundo a vida das grandes celebridades, como Luiz Gonzaga, Marinês, Dominguinhos e tantos outros. Adorava, valorizava e prestigiava poetas populares, o repente, as embaladas, enfim, a cultura e a alma do povo.
Cazuza cantou em cima de uma pergunta: para que sofrer com despedida, se quem parte não leva nem o sol, nem as trevas e quem fica não se esquece tudo que sonhou? O luto é destinado aos que amam amar. Elias nos enluta, mas o amor que irradiou pela sua gente fica como legado e lição. Tudo vale a pena quando a alma não é pequena, já poetizou Fernando Pessoa.
Quando a morte conta uma história, você deve parar para ler. Elias Lourenço deixou um livro de histórias para ler sem precisar abrir página por página, devorar capítulo por capítulo. A melhor maneira de começar meu dia renovando as esperanças e o ânimo era ligar o radinho para ouvir a sua sabedoria e também suas tiradas bem humoradas. Eu pulava da cama e dizia: o dia mal começou e já sinto uma vontade danada de ser feliz o tempo inteiro!
Confúcio ensinou que os homens bons têm que ser imitados. O que é a vida se não a imitação das virtudes humanas? Homens como Elias Lourenço são como os vinhos: a idade azeda os maus e apura os bons.