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Na crise, candidatos prometem o que podem e o que não podem

Publicado em Notícias por em 26 de agosto de 2018

Foto: Roberto Stuckert Filho/PR/Divulgação

Especialistas apontam que as reformas são fundamentais para reduzir o desequilíbrio fiscal e construir bases sólidas para que o País volte a crescer

Por Angela Belfort/JC Online

A crise diminuiu, mas o Estado brasileiro está quebrado. É bom o eleitor prestar atenção nas promessas dos candidatos, porque uma parte delas precisará de recursos para se concretizar. E é justamente aí que a situação se complica. A União e uma parte dos Estados estão no vermelho: gastando mais do que arrecadam. Desde 2014, a União vem registrando déficits (quando se gasta mais do que arrecada), e a previsão é de que isso ocorra até 2021. A situação não é diferente em 13 unidades da federação, que ficaram no vermelho, no ano passado, pelos resultados nominais (aqueles que contabilizam as despesas financeiras, como o pagamento dos juros). Mais oito registraram déficit primário (quando se contabiliza as receitas menos as despesas, sem incluir as despesas financeiras).

“No mundo político, estão prometendo obras, programas sociais, projetos. No Brasil, há essa tradição mal resolvida de primeiro se criar a despesa para depois pensar na receita. É preciso olhar para as receitas. Seja quem for que assumir, é de esperar que a comunidade brasileira encontre os meios via seus representantes legais (os eleitos da próxima eleição) para fazer um pacto”, resume o professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape) Istvan Kasznar, especialista em finanças públicas.

Ele compara a atual situação do Brasil com a da Espanha, que, no começo desta década, estava muito endividada, passou por uma grande recessão, até que fez um pacto pela estabilidade e voltou a crescer. Esse pacto incluiria as reformas da Previdência, tributária, política e administrativa. O pesquisador não é a única voz a defender isso. Mais 12 especialistas entrevistados pelo Jornal do Commercio defenderam que essas reformas são urgentes para o País voltar a se desenvolver.

Elas contribuiriam para arrumar a casa, tentando controlar os gastos e aumentar as receitas. “O Estado pode até apresentar déficits, mas eles não podem ser grandes e crescentes, porque contribuem para o desequilíbrio fiscal, que se caracteriza por um cenário com alto endividamento (do Estado), inflação, juros elevados e a recessão, que tem como consequência o desemprego”, explica o sócio-diretor da consultoria Ceplan e economista Jorge Jatobá.

O déficit primário da União atingiu os seguintes valores: R$ 116,7 bilhões (em 2015), R$ 159,5 bilhões (em 2016), R$ 118,4 bilhões (em 2017), e a meta é de um rombo de R$ 159 bilhões este ano.

As despesas do governo federal que mais cresceram foram Previdência, pessoal e aumento dos juros entre 2015 e 2017, de acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU). Até hoje, não foi estabelecido um limite para o gasto de pessoal com a União dentro da Lei de Responsabilidade Fiscal, que coloca, por exemplo, o limite de 49% da Receita Corrente Líquida (RCL) do Executivo dos Estados com os servidores e encargos. As despesas com pessoal do governo federal cresceram 6,21%, quando se compara 2017 com 2016 nos três poderes, gerando um gasto a mais de R$ 284 bilhões no ano passado, segundo o TCU.

Outro número que também mostra a fragilidade das contas públicas do País é o aumento da dívida bruta do governo geral (União, Estados e municípios) em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Em 2010, eram 51,8% e passou para 74,0% em 2017. “Foram perdulários com os gastos no momento de euforia da economia, com as perspectivas da realização de uma Copa (em 2014), Olimpíadas (em 2016). Cerca de 70% das despesas do governo são com Previdência, pessoal e encargos. A máquina é cara, as despesas não são cabíveis diante da arrecadação. Ministros e juízes usam jatinhos. E, desse modo, uma viagem que poderia sair por R$ 1,5 mil acaba custando R$ 40 mil. Sem falar de benefícios que não existem na iniciativa privada, como ajuda de custo, auxílio moradia, reembolso de combustível, entre outros”, resume o consultor e professor do Insper Otto Nogami.

Isso deixa menos recursos disponíveis para investimentos em obras, saúde e educação. Em 2010, a União investia 2,2% do PIB. Com a desarrumação nas contas, esse percentual caiu para 1,6%.

Se gastou muito nos anos em que a economia estava crescendo, mas a crise econômica provocou queda na receita da arrecadação, que banca as despesas da União, Estados e municípios. “Enquanto o PIB registrou uma queda de 3,5% em 2016, as receitas públicas caíram 7,7%. Com o desaquecimento da economia, as pessoas preferiram ir para o mercadinho do que pagar impostos”, argumenta a economista Tânia Bacelar.

A renúncia de impostos da União também deixou o caixa do governo menos recheado. Somente em 2017, o governo federal fez uma renúncia de receitas no valor de R$ 354,7 bilhões, dos quais R$ 270,4 bilhões foram benefícios tributários. Ou seja, impostos que deixaram de ser recolhidos por grandes empresas para estimular, por exemplo, a fabricação de carros. O País também tem um estoque de dívida que acumulada alcançou R$ 2,081 trilhões em 2017. No ano passado, só foram recuperados R$ 21,9 bilhões desse total, o que corresponde a 1%. Esse percentual é considerado muito pouco por técnicos do TCU.

Por último, o diretor de Faculdade de Economia da PUC–São Paulo, o professor Antonio Correia de Lacerda, diz que também é preciso uma reforma financeira. “O Estado brasileiro é o que mais gasta com o pagamento dos juros sobre a dívida pública. E ganham com isso os bancos internacionais, os nacionais e também os credores da dívida pública, formados por uma parte da classe média que comprou os títulos da dívida pública como forma de investimento.”

Regra de ouro assombra

Caso não queira correr o risco de um processo de impeachment, o próximo presidente terá que pedir autorização ao Congresso para descumprir a regra de ouro, segundo o diretor do Instituto Fiscal Independente (IFI), Gabriel Leal de Barros. A regra de ouro proíbe o governo de fazer dívidas para pagar salários, aposentadorias e pensões. Diz que financiamentos devem ser empregados em investimentos. “O descumprimento dessa lei é crime de responsabilidade fiscal. Provavelmente, o eleito vai pedir essa autorização por alguns anos”, conta.

O Congresso autorizando o descumprimento da regra de ouro, o presidente não terá problemas. O mesmo não se pode dizer do País. “O descumprimento dessa regra traz um efeito que abala a confiança, e isso afeta muito a economia. Imagine um investidor que está planejando implantar um empreendimento aqui. Vai adiar por causa dessa sinalização que dificulta, por exemplo, um planejamento para cinco anos”, comenta.

Segundo ele, o País vai demorar mais para sair da crise quanto mais o governo sinalizar que não vai arrumar as contas. “O problema estrutural do País é a despesa que cresce muito. Ela cresceu acima da geração de riqueza do País. Há 20 anos, a despesa do governo federal aumenta, em média, 6% ao ano acima da inflação”, conta.

Há comparações com o período pré-Plano Real. “A situação é muito grave do Estado brasileiro como um todo. É similar à instabilidade da moeda que ocorreu até o começo dos anos 1990. Se não houvesse um comprometimento tão grande com salários e Previdência, o desequilíbrio não seria tão grande”, argumenta Gabriel, que também defende a urgência na reforma da Previdência.

Situação similar à da União acontece nos Estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. “São os Estados mais velhos do País e criaram regras diferenciadas de aposentadorias que resultaram num passivo pesado”, conta, acrescentando que o Rio de Janeiro também teve quedas de receitas, além de problemas de gestão. “Lá, a situação ficou tão crítica que faltaram recursos para colocar gasolina nas viaturas da polícia”.

Solução

Existem remédios e soluções para quaisquer déficits estruturais com meios e métodos para ajustar as contas. “Controlar o déficit público é um dos caminhos para a estabilidade”, defende o professor da Ebape FGV Istvan Kasznar.

O pesquisador cobra uma reforma também constitucional. “A atual Carta Magna está trôpega e foi muito boa para criar despesas que transferiram responsabilidades para os Estados e municípios. Também é bom repensar o modelo político brasileiro. O presidencialismo puro à luz do frágil pluripartidarismo brasileiro levou a um inchaço do Estado e a uma exploração indevida do governo”, argumenta.

Oficialmente, o País tem 35 partidos. “A Coreia do Sul era subdesenvolvida há 40 anos e hoje é um dos países mais desenvolvidos do mundo. Os Estados Unidos e a Suíça também já foram nações pobres, mas conseguiram virar essa página”. O descrédito na política pode ser uma barreira. “É um jogo complicado e difícil. Resta saber quem vai ter capacidade política para tomar todas essas medidas”, conclui Kasznar.

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