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Gilmar Mendes autoriza R$ 600,00 fora do teto com base na constituição: ação correta, no momento exato

Publicado em Notícias por em 27 de dezembro de 2022

*Por Renan Walisson de Andrade.

Leio a seguinte matéria na Revista Consultor Jurídico: “Bolsa Família pode ficar fora do teto de gastos, decide Gilmar Mendes” . Abro a decisão e faço a leitura.

De início, observo no seu cabeçalho que trata-se de petição nos autos do Mandado de Injunção 7.300/DF que passou a ser chamado de “MI da renda básica”, o qual foi devidamente apreciado pelo Pretório Excelso, ano passado, cujo acórdão cuidei de examinar na minha monografia de conclusão do curso de bacharelado em Direito.

Ao ler toda a decisão do Ministro Gilmar Mendes, fiquei maravilhado com a sua fundamentação. Trago, nessas breves considerações, o que reputo extremamente importante para a compreensão do alcance fático da decisão ora examinada.

Eis a parte dispositiva da decisão em epígrafe: “(…) defiro parcialmente as medidas formuladas pelo peticionante para, conferindo interpretação conforme à Constituição ao art. 107-A, II, do ADCT, assentar que, no ano de 2023, o espaço fiscal decorrente da diferença entre o valor dos precatórios expedidos e o limite estabelecido no seu caput deverá ser destinado exclusivamente ao programa social de combate à pobreza e à extrema pobreza, nos termos do parágrafo único do art. 6º, da CF, ou outro que o substitua, determinando que seja mantido o valor de R$ 600,00, e, desde já, autorizando, caso seja necessário, a utilização suplementar de crédito extraordinário (art. 167, § 3º, da CF) .”

De início, relembro que no aludido MI 7.300/DF, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu, parcialmente, a ordem injuncional requerida para determinar ao Presidente da República que, “nos termos do art. 8º, I, da Lei 13.300/2016, implemente, “no exercício fiscal seguinte ao da conclusão do julgamento do mérito (2022)”, a fixação do valor disposto no art. 2º da Lei 10.835/2004 para o estrato da população brasileira em situação de vulnerabilidade socioeconômica (extrema pobreza e pobreza – renda per capita inferior a R$ 89,00 e R$ 178,00, respectivamente – Decreto 5.209/2004), devendo adotar todas as medidas legais cabíveis, inclusive alterando o PPA, além de previsão na LDO e na LOA de 2022”.

Como lembrado na decisão, após o julgamento do aludido mandado de injunção, sobreveio a promulgação da EC 114/2021, que acresceu parágrafo único ao art. 6º da Constituição para enunciar, de forma definitiva, que: “Todo brasileiro em situação de vulnerabilidade social terá direito a uma renda básica familiar, garantida pelo poder público em programa permanente de transferência de renda, cujas normas e requisitos de acesso serão determinados em lei, observada a legislação fiscal e orçamentária”.

Nessa linha, a decisão do Ministro Gilmar Mendes não inovou, ou seja, a determinação apenas ratificou o que o Plenário do STF havia decidido, repito, à unanimidade, ano passado, bem ainda confirmou a previsão contida no próprio texto constitucional. O cumprimento da decisum colegiada exarada nos autos do MI 7.300 depende(ria) de implementação no exercício fiscal deste ano de 2022, uma vez que o chamado Auxílio Brasil tem vigência, com o valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), somente até 31.12.2022.

E aqui está o que reputo como motivação fundamentação da decisão: sem espaço fiscal para abarcar o pagamento do programa permanente de renda básica em seu patamar, a partir de 1.1.2023 o valor do benefício seria reduzido em quase um terço do valor atual, passando a ser de R$ 405,00 (quatrocentos e cinco reais).

De mais a mais, em síntese, a decisão do Ministro Gilmar Mendes sobreveio no momento certo, uma vez que, sem cobertura orçamentária, milhares de brasileiras e brasileiros deixariam de receber o valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) do benefício, o que implicaria, como consequência lógica, em uma drástica causa de aumento da pobreza e extrema pobreza.

Para se ter uma noção prática do alcance e da importância da decisão do Ministro Gilmar, basta ser conhecedor – como o Ministro é – das realidades tantas do Brasil, sobretudo dos Estados-membros das regiões Norte e Nordeste, que abarcam os maiores índices de pobreza e extrema pobreza do nosso País.

Em recente estudo divulgado pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social), constatou-se que catorze das vinte e sete unidades da federação no Brasil têm mais de 40% de sua população na pobreza. Em quatro Estados, o percentual ultrapassa a metade da população .

Ademais, como bem assentado na decisão: “A instituição de normas de boa governança fiscal, orçamentária e financeira, entretanto, não pode ser concebida como um fim em si mesmo. Muito pelo contrário, os recursos financeiros existem para fazer frente às inúmeras despesas que decorrem dos direitos fundamentais preconizados pela Constituição”.

Quem já foi beneficiário de políticas públicas de transferência de renda sabe, ainda mais, a real importância de uma renda mínima para a subsistência das famílias pobres e extremamente pobres, com o básico, o mínimo necessário para viver com dignidade.

Em maio deste ano, estive com o Ministro Gilmar Mendes, em seu Gabinete, e tive a oportunidade de relatar a Sua Excelência que duas políticas públicas me permitiram, sob muita dificuldade, concluir os estudos: o Bolsa Família, durante os ensinos fundamental e médio; e o ProUni, durante o ensino superior. Isto para ilustrar que no Brasil há certa falta de conhecimento da realidade de parte da população. Muitos olham para o próximo a partir de onde os seus pés pisam, sem uma visão sistêmica da realidade e como se dentro de uma bolha vivessem. No entanto, é necessário entender que existem inúmeras facetas e contrastes sociais que, por vezes, não são passíveis de constatação imediata através de uma análise meramente “técnica”, açodada e sem o sopesamento das tantas realidades sociais existentes.

Quando o Supremo Tribunal Federal é chamado a garantir o cumprimento de um direito básico que qualquer cidadão que vive em situação de pobreza e extrema pobreza tem, é porque houve uma falha dos Poderes Executivo e Legislativo no seu dever constitucional, sendo a questão política judicializada e entregue ao STF para decidir. Consequentemente, o Tribunal permanece em constante evidência e recebe críticas infundadas, constantemente.

À vista dessas considerações, penso que uma política pública de transferência de renda tão importante, cuja base está solidificada no texto constitucional – ratificada, anteriormente, por decisão colegiada do Supremo Tribunal Federal – não pode ficar à espera de arranjos outros, por vezes indefinidos, pois, a fome, a miséria, o flagelo e a dor humana não podem esperar.

*Renan Walisson de Andrade é Assessor de Juízo de Primeiro Grau no Tribunal de Justiça da Paraíba – TJ/PB, pós-graduando em Direito e Jurisdição, Aplicada à Magistratura pelo Centro Universitário Padre João Bagozzi – UniBagozzi e pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal pelo Instituto dos Magistrados do Nordeste – IMN.

 

 

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