De gibão e perneira, vaqueiro renova Câmara de Calumbi
Por Magno Martins, em seu blog
Berço da poesia, do repente e do improviso, de monstros sagrados da viola, como Lourival Pinto e Rogaciano Leite, o Sertão do Pajeú, afamado também pelas suas vaquejadas, usou o poder do voto nas eleições municipais deste ano na pequena Calumbi, a 360 km do Recife, para mandar ao parlamento municipal um autêntico vaqueiro, provavelmente um dos únicos eleitos no Nordeste. Aos 33 anos de idade e 20 derrubando boi na caatinga, Robério de Lima e Silva, ou simplesmente Robério Vaqueiro, nome usado na urna eletrônica, troca, a partir de janeiro, o gibão pelo paletó e a gravata.
A troca ainda é teórica, porque, na prática, pelo menos na posse em 1 de janeiro, ele pensa em adentrar na Câmara de Vereadores, pela primeira vez, trajando a mesma roupa das pegadas de boi, onde já quebrou o nariz, ganhou fortes ferimentos nos braços e nas pernas e, recentemente, quase perde um dos olhos. O vaqueiro trabalha com o boi, vive em função do boi, veste roupa feita com couro de boi.
A véstia do vaqueiro, de couro, resiste aos espinhos da caatinga, é a sua couraça, a sua armadura. O couro, em geral, é curtido por processos primitivos, ficando, com uma cor de ferrugem, flexível, macio, sem pelos. O gibão é o paletó de couro de vaqueta. Enfeitado com pespontos, fechado com cordões de couro.
O parapeito, como o nome indica, protege o peito. Uma alça que passa pelo pescoço o segura. A perneira é uma perna de calça que cobre do pé até a virilha. As perneiras ficam presas na cintura. São duas pernas de calça soltas, deixando o corpo livre para cavalgar. As luvas cobrem as costas das mãos e deixam os dedos livres.
Nos pés, as alpercatas simples ou complicadas como as dos cangaceiros. Às vezes usam botinas, um sapatão fechado. E na cabeça o chapéu, que protege o vaqueiro do sol e dos golpes traiçoeiros da caatinga. Na sua copa, às vezes bebem água ou comem. O jaleco parece um bolero, feito de couro de carneiro. É usado geralmente em festas. O jaleco tem duas frentes. Uma para o frio da noite, onde conservam a lá, outra liso para o calor do dia.
“Ainda estou consultando a vaqueirama que me elegeu, mas se o regimento permitir vou tomar posse com minha roupa de trabalho”, diz Robério. Filiado ao PSB, Robério foi o terceiro vereador mais votado de Calumbi, com 512 votos, correspondente a 10,61% dos votos válidos. Conseguiu a façanha de ser a única renovação na Câmara, que reelegeu oito dos seus novos integrantes, fenômeno que contrariou o altíssimo percentual de mudança nas câmaras da região e do País.
Na política, a única referência dele é o tio Chico dos Correios, do PT, atual vice-prefeito do vizinho município de Flores. Derrotado na chapa que tentou a reeleição, Chico passará a assessorar o sobrinho na Câmara de Calumbi. “Robério é um dos melhores vaqueiros do Pajeú, um agricultor pobre e sofrido de nossa região, mas com vocação também para a política”, diz o tio. Segundo ele, um dos motes iniciais do trabalho do sobrinho será a defesa da vaquejada, esporte e atividade econômica no Nordeste.
“O Supremo tem, no meu entender, coisas mais importantes para cuidar do que está se preocupando com vaquejada”, desabafa o vereador-vaqueiro, que também vai defender a preservação do esporte como componente cultural em seu município. No sítio Carnaúba, a 2 km do centro da cidade, aonde mora com a esposa Aline e dois filhos, o mais velho de 15 anos já chegado a uma pega de boi, Robério arrastou 150 votos, boa parte dos vaqueiros ou apreciadores da arte. O restante foi pulverizado nos demais redutos eleitorais no campo e no perímetro urbano também.
Robério já ganhou vários prémios em pega de boi pelo Nordeste. Arriscando a vida na caatinga fechada, recentemente quebrou o nariz numa queda. “O prêmio valia R$ 150 e acabei no prejuízo, gastando mais de R$ 5 mil na cirurgia para deixar o danado do nariz no lugar”, conta ele. Apesar das recomendações médicas, com 15 dias Robério estava de volta ao mato e, brincando, revela que o curativo foi tirado na caatinga, arrastado por um garrancho.
Agricultor, vaqueiro e também bacamarteiro, Robério não é, entretanto, daqueles com dotes também para o tradicional aboio, um canto sem palavras, entoado na condução do gado para os currais ou no trabalho de guiar a boiada para a pastagem. É um canto ou toada um tanto dolente, uma melodia lenta, bem adaptada ao andar vagaroso dos animais, finalizado sempre por uma frase de incitamento à boiada: ei boi! Boi surubim! Ei, lá, bonzinho!
Saindo da caatinga braba para a seara da política na Câmara, Robério fará oposição à prefeita Sandra da Farmácia, uma das raras espécies do petismo eleita, derrubando uma velha oligarquia. “Não farei oposição ao que for de interesse do município”, avisa, adiantando que sua pauta será a defesa do agricultor, da sua região e dos vaqueiros. “Estarei na Câmara lutando por minha gente, pelos pobres e sacrificados de Calumbi”, acrescenta.